terça-feira, 23 de novembro de 2010

Novos e antigos caminhos para a longevidade


Fonte: Isto É - Independente

Descobertas revelam a influência da personalidade, do relógio biológico e da quantidade de alimentos ingerida para garantir uma vida mais longa e saudável

Envelhecimento bem-sucedido. Você provavelmente já ouviu falar desta ideia. Ela está no coração da maior aventura científica já realizada para decifrar o que pode retardar o envelhecimento humano. É objeto dos esforços de cientistas, geriatras, neurologistas. O que se quer é obter meios de levar o ser humano a preservar o máximo de sua capacidade biológica, mesmo com o passar dos anos. “Centros de estudo de todo o mundo estão buscando informações nas moléculas e reações do organismo para atingir essa meta”, diz o pesquisador e geriatra Clineu Almada, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Já se caminhou bastante nesse sentido, com a descoberta de alguns mecanismos capazes de nos levar a uma vida mais longeva. Recentemente, no entanto, a ciência trouxe à luz três novos fatores decisivos para um envelhecimento saudável: o tipo de personalidade, quanto e o que se deve comer e por que se deve respeitar o relógio biológico para que se possa viver mais. Estes achados estão entre os avanços mais importantes obtidos nos últimos anos na área da ciência da longevidade.

Há dez anos, por exemplo, quem imaginaria que a personalidade teria o poder de influenciar a rapidez do envelhecimento cerebral? Mas foi exatamente isso o que constataram cientistas da Universidade de Washington, nos Estados Unidos. O grupo, considerado um dos mais conceituados nos estudos sobre o tema, verificou que os indivíduos de temperamento irritadiço, mais propensos a neuroses, estão sujeitos a perder mais neurônios do que os tranquilões e extrovertidos. Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores avaliaram imagens do cérebro de 79 voluntários com idade entre 44 e 88 anos. “As pessoas ansiosas e aquelas que tendem a reagir de modo negativo aos acontecimentos do dia a dia têm menos massa cinzenta nas regiões ligadas à atenção, às emoções e à memória”, disse à ISTOÉ a professora de psicologia Denise Head, uma das autoras do trabalho.

A massa cinzenta é formada pelo conjunto dos neurônios, as células nervosas do cérebro. Na juventude, ter menos neurônios nas áreas apontadas pelo estudo pode não implicar grandes prejuízos ao raciocínio e ao processamento dos sentimentos, por exemplo. Isso porque, nessa fase da vida, o cérebro pode compensar a menor quantidade de neurônios em uma região usando outros circuitos, em outras áreas, para que exerçam as funções. Porém, com o passar dos anos, essa capacidade do cérebro, chamada de neuroplasticidade, diminui. Em indivíduos com personalidade mais neurastênica, que já apresentam menos células nervosas, a perda dessa habilidade será sentida mais rapidamente. “E o declínio da massa de neurônios será mais acentuado naqueles que não tinham uma boa reserva”, diz o geriatra Almada. Isso significa que, para eles, os primeiros sinais de desgaste cerebral, como as falhas de memória ou dificuldade para processar as emoções – chegarão mais cedo.

O trabalho da escola americana foi o primeiro passo para traçar conexões entre o comportamento e o envelhecimento. E, ainda que os pesquisadores não tenham certeza do que vem primeiro, se a baixa neuronal ou os comportamentos a ela associados, é sabido que cultivar a serenidade e a capacidade de se adaptar aos reveses do dia a dia protege o organismo dos efeitos perversos do estresse crônico. A tensão permanente diminui, por exemplo, a concentração e a atenção. A enxurrada de substâncias produzidas pelo organismo para se defender das ameaças, neste caso, interpretadas como uma constante – também reduz as defesas imunológicas.

De posse de conhecimentos como esses e dos gerados por pesquisas como a da Universidade de Washington, os geriatras começam a adicionar à sua lista de observações as variações de humor dos pacientes. E indicam estratégias para aplacar os efeitos nocivos da personalidade. A primeira é tentar modificar traços neuróticos da personalidade. Evitar o perfeccionismo e procurar atividades de relaxamento, por exemplo, ajudam a controlar a irritação e a ansiedade. Aos primeiros sintomas de depressão – falta de ânimo, uma tristeza sem motivo que persiste dias a fio, deve-se imediatamente procurar o médico. A doença acelera o desgaste cerebral, muito por conta do comportamento que o paciente acaba adotando: fica mais isolado, apático, exercitando menos os neurônios. Além disso, é importante estimular o raciocínio para que os circuitos neuronais continuem ativos.

A importância do Relógio Biológico

Um dos grandes desafios da medicina é descobrir como manter regulado o nosso relógio biológico, também chamado de ritmo circadiano, com o passar dos anos. Ele consiste em um ciclo de 24 horas durante o qual a temperatura do corpo, a atividade cerebral e a produção de hormônios variam com a mesma regularidade. Ao longo do envelhecimento, esse relógio vai perdendo a capacidade de se ajustar ao ambiente. A mudança pode ser notada por alterações no tempo de vigília e sono, por exemplo. A pessoa começa a dormir menos horas ou desperta mais vezes durante a noite, sem entrar com facilidade no sono que é de fato restaurador, o REM.

O problema é que prescindir desta fase do sono é tirar do corpo uma magnífica oportunidade de se restaurar. É nessa etapa, por exemplo, que o corpo produz o hormônio do crescimento, indispensável para a regeneração das células. Também é neste período que há a consolidação da memória, ou seja, quando o cérebro guarda as informações que considera relevantes. “Paga-se um preço alto pela desorganização do relógio biológico”, diz a neurologista Dalva Poyares, especialista em medicina do sono da Unifesp.

Alto mesmo. Uma ampla revisão de 16 estudos feita por cientistas do Reino Unido e da Itália, publicada na revista “Sleep”, revelou o tamanho desta conta: quem dorme habitualmente menos de seis horas por noite tem 12% mais probabilidade de morrer nos próximos 25 anos do que os que dormem entre seis e oito horas.

Entre outros impactos de um ritmo circadiano desequilibrado estão os prejuízos à ação da insulina, o hormônio que leva a glicose, o combustível do organismo, para dentro das células. “Apenas uma noite maldormida pode dificultar a capacidade de o corpo usar a insulina”, explicou Esther Donga, da Leiden University Medical Center, na Holanda. Ela liderou um estudo acerca do tema divulgado no “Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism”. O resultado é a vulnerabilidade maior à diabetes tipo 2, caracterizada pelo mau funcionamento da insulina.

Outro hormônio afetado é o cortisol. Ele é secretado pelo organismo nas quatro primeiras horas de sono e sua participação é essencial na regulação do sistema de defesa do corpo. “Quem dorme menos do que precisa tem mais gripes, mais infarto, mais déficit de atenção”, diz o neurologista Marco Túlio de Mello, do setor de psicobiologia da Unifesp.

Portanto, outra lição que começa a ser entendida pelos estudiosos do envelhecimento é que, quanto mais regulado o relógio biológico, menos desgaste sofre o corpo e maior a longevidade. Essa é a razão que está levando centros de pesquisa a procurar formas de preservar ou de restaurar o ritmo circadiano.

Um dos meios pelos quais é possível manter acertados os ponteiros do relógio biológico é regular o horário das refeições. Dessa maneira, o corpo sabe que, em algumas horas, irá receber comida e começa a se preparar, aumentando o suco gástrico do estômago, por exemplo. É um modo de organizar seu funcionamento. “Aos cegos, por exemplo, que não têm o marcador temporal da luminosidade, recomenda-se que façam as refeições sempre no mesmo horário”, explica o cientista John Fontenele Araújo, da Universidade Federal de Natal, especialista em cronobiologia. O neurologista Marco Túlio, da Unifesp, orienta ainda a ingestão de pequena quantidade de alimentos a cada três horas, para manter o gasto energético constante. “Isso também funciona.”

Outro conceito a ganhar força é o respeito ao cronotipo de cada um. Fala-se aqui da categoria dos matutinos e dos vespertinos. Os primeiros sentem-se mais despertos pela manhã e os outros estão mais ativos horas mais tarde. “Quanto mais a pessoa respeitar seu ritmo, melhor produzirá e menos desgaste vai sentir”, diz a enfermeira Maria Filomena Ceolim, professora da Universidade Estadual de Campinas, estudiosa da medicina do sono.

Quanto comer?

A relação entre a quantidade de alimentos ingerida e a velocidade do envelhecimento está cada vez mais clara para a ciência. Trabalhos com cobaias mantidas sob um regime de restrição calórica mostram que a medida tem benefícios importantíssimos. Um dos estudos, realizado na Universidade de Washington, apontou que o corte de 10% a 50% das calorias fez com que os animais envelhecessem com menores índices de tumores, doenças cardiovasculares e problemas de aprendizagem e memória. De modo geral, as pesquisas indicam que a estratégia dobra e até triplica o tempo de vida. Baseados nessas informações, médicos e nutricionistas começam a ressaltar a importância de comer menos para viver mais. Mas quanto menos? “A redução deve ser de 20% a 40% no total de calorias ingeridas por dia”, explica a nutricionista funcional Lucyanna Kalluf, de São Paulo. Comer menos do que o habitual emagrece, é claro. Com isso, diminui-se o risco de doenças associadas à obesidade, como a hipertensão e a diabetes tipo 2. Consequentemente, reduz-se o risco de morte. Mas o que as pesquisas demonstram é que a restrição calórica atua em uma esfera ainda mais profunda: ela provoca um impacto no material genético. O que se descobriu é que, quando há menor disponibilidade de alimentos, o organismo ativa um gene, o Sirt1. Ele determina que as células funcionem de modo econômico, gastando menos energia, para que consigam sobreviver mais tempo. “Esse metabolismo mais lento submete o organismo a um desgaste menor, o que reduz a produção de substâncias que agridem as células”, disse à ISTOÉ o cientista Shin-Ichiro.

Pesquisador da Universidade St. Louis, nos EUA, ele encontrou outra maneira de ligar o tal gene, que não passa pela restrição calórica. “Identificamos uma substância, a coenzima NAD, que tem a capacidade de acioná-lo”, disse. O cientista prepara-se para testar substâncias similares, fabricadas em laboratório, para ver se ativam o Sirt1. Se conseguirem, será mais uma alternativa para garantir uma vida mais longa. Como as pesquisas nesta área avançam rapidamente, já há a constatação também de que para atrasar o envelhecimento não basta simplesmente comer menos. Um trabalho feito por pesquisadores alemães e ingleses concluiu que cobaias submetidas a um regime de restrição, mas que ingeriram boas quantidades de aminoácidos, tiveram tempo de vida ainda maior. Os aminoácidos são as moléculas usadas na construção das proteínas, compostos fundamentais para o correto funcionamento metabólico do corpo e também para a saúde dos tecidos. Muitos são produzidos pelo corpo, mas alguns são encontrados nos alimentos.

Segundo a equipe do Instituto Max Planck de Biologia do Envelhecimento, na Alemanha, há um aminoácido em especial, a metionina (que o corpo não produz), que é crucial para aumentar a longevidade. “Ela é muito importante para a regeneração celular e livrar o fígado de toxinas”, afirma Lucyanna. Boas fontes de metionina são as sementes de gergelim, castanha-do-pará, germe de trigo, peixes e carnes. Há ainda muitas substâncias que ajudam a preservar as células do envelhecimento, os chamados fitoquímicos, que precisam estar presentes à mesa.

Também começa-se a conhecer melhor o que não deve entrar no cardápio. Recentemente, por exemplo, o cientista M. Shawkat Razzaque, da Harvard School of Dental Medicine, obteve mais evidências de como o consumo excessivo de refrigerantes pode ser prejudicial. A bebida possui fosfato, substância que parece encurtar o tempo de vida. Ele chegou a essa conclusão depois de realizar estudos em animais. Aqueles que apresentavam níveis tóxicos viveram de oito a 15 semanas. Os que tinham menores quantidades no organismo, 20 semanas. “A pesquisa sugere que a quantidade de fosfato influencia o processo de envelhecimento”, afirmou Gerald Weissmann, editor-chefe da revista científica “Faseb”, que publicou o estudo. Qual é o efeito negativo dos índices elevados do composto? “A soma do fosfato pode ser facilmente tolerada durante a juventude por causa do bom funcionamento dos rins, mas a mesma quantidade representa uma carga extra para rins envelhecidos”, disse Razzaque à ISTOÉ. Portanto, se quiser viver mais, o melhor é adicionar aminoácidos e diminuir, ou melhor, retirar os refrigerantes do cardápio.

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